Nenhum conteúdo publicado reflete o posicionamento da Produtora A Dona da Casa, todos os textos são de responsabilidade exclusiva do autor.
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Decidi escrever esta coluna para indicar obras audiovisuais e literárias. No final da resenha, serão atribuídas de uma a cinco rosas, de acordo com o meu gosto pessoal. Se você quiser que eu faça a resenha de alguma obra, entre em contato pelo e-mail: fernandodrummond@adonadacasaproducoes.com ou pelo Instagram @drummond_fernando
VIA Bula
O escritor francês Marcel Proust gostava de jogar uma brincadeira de salão chamada “Confissões”, no qual os participantes respondiam 29 perguntas pessoais. Em sua homenagem, hoje o jogo ficou conhecido como “Questionário Proust”.
A Revista Bula, depois de ter adquirido em um concorrido leilão no eBay a Tábua Ouija original do filme “O Exorcista”, entrou em contato sobrenatural com o próprio Marcel Proust, em carne, osso, smoking e ectoplasma, que, relembrando seus tempos de jornalista, assinou contrato exclusivo como nosso correspondente do outro lado da vida.
Sempre nas altas esferas celestiais, Marcel Proust entrevista Carlos Drummond de Andrade, que de poeta municipal, subiu para poeta estadual, depois para federal e se tornou poeta interdimensional. Eis um verdadeiro encontro de titãs, de um lado o homem dos finos bigodes, do outro o homem atrás do bigode. Com vocês, na série Entrevistas do Além, o legitimo Questionário Proust com Drummond, psicografado em javanês pelo meio médium ligeiro Ademir Luiz.
Marcel Proust: Monsieur Andrade, fala francês?
Marcel Proust: Como recebeu a notícia da própria morte?
Marcel Proust: E como é a morte?
Carlos Drummond de Andrade: Já não posso beber, já não posso fumar, cuspir já não posso. A minha vontade é forte, porém minha disposição de obedecer-lhe é fraca.
Marcel Proust: Encontrou-se com Deus?
Carlos Drummond de Andrade: Deus me abandonou no meio de uma orgia, entre uma baiana e uma egípcia. Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Marcel Proust: E Lúcifer?
Carlos Drummond de Andrade: Lúcifer faltou à orgia. Mas ficou espreitando de uma frincha com o olho torto.
Marcel Proust: Reviu Prestes no além vida?
Carlos Drummond de Andrade: Sim, e mais uma vez o visitei na prisão. Só uma. Como as plantas a amizade não deve ser muito nem pouco regada.
Marcel Proust: Borges dizia que sua visão de paraíso é uma biblioteca? E a sua?
Carlos Drummond de Andrade: Uma biblioteca em Itabira com vista para o mar.
Marcel Proust: E sua visão de inferno?
Carlos Drummond de Andrade: O casamento do céu e do inferno.
Marcel Proust: Quais livros levaria para uma ilha deserta?
Carlos Drummond de Andrade: Levaria Baudelaire, Pessoa, Whitman e Verlaine.
Marcel Proust: E quais não levaria?
Carlos Drummond de Andrade: Não dou nomes para não alimentar minha fama de casmurro, mas há livros escritos para evitar espaços vazios na estante. Só confirmo que não levaria nenhum livro meu. Deve ser muito chato o sujeito ficar se contemplando na ilha assim: “eu fiz isso, fiz aquilo, que beleza”.
Marcel Proust: Quais os grandes autores que o inspiraram?
Carlos Drummond de Andrade: O nosso Mário de Andrade, o franco-uruguaio Jules Supervielle e o francês Paul Valéry. Cada poeta em uma língua, mas se a poesia é incomunicável que o poeta nos encaminhe e nos proteja.
Marcel Proust: O que é a poesia?
Carlos Drummond de Andrade: Uma pedra no meio do caminho.
Marcel Proust: A poesia é uma vocação?
Carlos Drummond de Andrade: A única vocação que tive foi a de jornalista, e não a realizei plenamente.
Marcel Proust: Nas questões originais do jogo de salão “Confissões” havia uma pergunta prosaica sobre cor preferida. Qual a sua?
Carlos Drummond de Andrade: Duas. Azul e branco, azul e branco, azul e branco, concha e cavalo-marinho.
Marcel Proust: O que diferencia o homem da mulher?
Carlos Drummond de Andrade: Os homens distinguem-se pelo que fazem, as mulheres pelo que levam os homens a fazer.
Marcel Proust: Essa definição não diminui as mulheres?
Carlos Drummond de Andrade: As mulheres são fantásticas. É próprio da mulher o sorriso que nada promete e permite tudo imaginar.
Marcel Proust: Monsieur foi pornográfico, docemente pornográfico?
Carlos Drummond de Andrade: Sexo, esse minúsculo ponto feminino, em torno do qual gira a máquina do mundo. Mas não posso merecer esse título. Em meus anos mais floridos no Rio de Janeiro, eu era um burocrata metido até o pescoço em pilhas de papel. Mas fui feliz. Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.
Marcel Proust: E o que significou escrever para monsieur?
Carlos Drummond de Andrade: Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha.
Marcel Proust: Então, por que escreve?
Carlos Drummond de Andrade: Meu verso é minha consolação. Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Marcel Proust: O brasileiro lê poesia da mesma forma que assiste futebol?
Carlos Drummond de Andrade: O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho.
Marcel Proust: Mas há poesia no futebol?
Carlos Drummond de Andrade: Há poetas de chuteiras. Por exemplo: o difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé. Cada gol de Pelé é um poema.
Marcel Proust: Qual sua visão sobre a crítica literária?
Carlos Drummond de Andrade: Acho a crítica fundamental. Digo mais, fui muito massacrado por ela. De vez em quando ainda aparecem aí uns sujeitos que me metem o pau. Mas a gente precisa receber a crítica com humildade. Se o crítico não compreendeu, se ele é burro, paciência. Certa vez, Vinicius queria bater em um crítico que diariamente fazia um artigo contra mim ou contra ele. Eu dizia: “Vinicius, por favor, não bate nele, não, fica quieto”.
Marcel Proust: Seu amigo Vinicius de Morais escreveu “Rosa de Hiroshima’. O que acha da bomba atômica?
Carlos Drummond de Andrade: Ah, eu sou a favor.
Marcel Proust: Imagino que seja ironia. O que acha da situação política no Brasil?
Carlos Drummond de Andrade: A liberdade é defendida com discursos e atacada com metralhadoras. Precisamos educar o Brasil.
Marcel Proust: Aprecia sua estátua na Praia de Copacabana?
Carlos Drummond de Andrade: Aprovo. Gosto principalmente de me sentar no colo de turistas que sentam no meu colo de bronze. Eles sentem um calafrio, pensam que é a brisa do mar, mas sou eu soprando no cangote. Pensem nisso ao rever as fotos da viagem ao Rio de Janeiro.
Marcel Proust: O que acha de Bob Dylan ganhar o Prêmio Nobel?
Carlos Drummond de Andrade: Em vão assassinaram a poesia nos livros.
Marcel Proust: Monsieur possui muitas frases popularizadas na internet. Olhando de cima e por cima, o que acha da rede?
Carlos Drummond de Andrade: Achava que minha obra, que é falha e incompleta, levada por intuição e por instinto, teria desaparecido em cinco ou dez anos, obscurecida por novas formas de poesia, novos critérios, novas tendência. Eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. Parece que agora tudo é eterno. Mas eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força jamais o resgata…
Marcel Proust: Leu “Em Busca do Tempo Perdido”?
Carlos Drummond de Andrade: Dimais da conta.
Marcel Proust: E agora, Carlos?
Carlos Drummond de Andrade: Agora vou ali falar com aquele Anjo Torto que, quando nasci, disse “Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. Vou perguntar “E, agora, Anjo Torto, devo ser gauche na morte?”.
Uma pseudo-entrevista antológica de Proust com Drummond. Dois ícones, dois exemplos e duas personalidades ímpares.
Não há como não oferecer cinco rosas.
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Marcel Proust entrevista Carlos Drummond de Andrade
Roteirizar um longa-metragem sobre Freddy Mercury é algo extremamente complexo. O filme “Bohemian Rhapsody” deve ser assistido, mas quem pensa que ele contará a biografia do mítico Freddy, engana-se.
Amparando-se em algumas das melhores músicas de todos os tempos, não é tarefa difícil gostar da obra. Porém, fica aquém da lenda do rock mundial.
Os preconceitos vividos por Mercury em sua própria família e os obstáculos que venceu e os obstáculos que precisou vencer, deram lugar à amizade sublime entre o protagonista e Mary Austin, sua primeira namorada, além de mostrar por longos minutos o show do Live Aid.
Outra característica marcante é os dentes avantajados do ator que interpreta Freddy estarem a anos luz da face real do mito, demonstrando certa caricatura do personagem.
Esperava mais do filme que tentou retratar o mito que venceu barreiras e conseguiu deixar a AIDS como coadjuvante.
Dou duas rosas para “Bohemian Rhapsody”, com o coração dividido entre a emoção de conhecer um pouco da história de um dos meus maiores ídolos e o fraco roteiro, apesar das brilhantes atuações dos atores e atrizes.
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Não, não é o que parece. Não sou adorador do capeta, capiroto, belzebu, catiço, demônio, diabo, etc. Estou me referindo à série da Netflix.
Não gosto de fazer resenhas de séries porque corro o risco de que elas se percam pelo caminho, juntamente com minha crítica. Abri uma exceção, iniciando minha coluna justamente por Lucifer, entendendo que, mesmo que o roteiro se adapte ao mercado e sua qualidade, como ocorre com tantas outras obras, ela realmente é fascinante e não é uma história propriamente linear, ou seja, mesmo que alonguem a história, vale assisti-la. Extremamente bem construída, as férias de Lucifer são mais interessantes do que se pode imaginar. Com pitadas de sarcasmo e altamente irônica, o Diabo mostra a diferença entre justiça e vingança. Se é que há diferença. Recomendo. Para “Lucifer”, ofereço 4 rosas.
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